“O medo sempre me pareceu o pior obstáculo a ser
enfrentado por alguém”, escreveu a primeiradama Eleanor Roosevelt, esposa de Franklin
D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos
durante os tempos turbulentos de 1933 a 1945.
“Ele é um grande mutilador. Olhando para trás, percebo que minha infância e juventude precoce foram uma longa batalha contra o medo”, escreveu ela no livro You Learn by Living (Westminster John Knox,
1983), p. 25.
O medo não faz discriminação entre idade, sexo, etnia nem situação econômica. A Covid-19 nos lembrou disso, trazendo o medo para mais perto de todos nós. É possível que muitos de nossos leitores ainda não tenham sido infectados ou que a resposta de vocês à doença tenha sido branda
e controlável. Contudo, as consequências econômicas dessa pandemia serão sentidas pela maioria. O desemprego está disparando ao redor do mundo. As bolsas de valores estão em baixa e marcas conhecidas estão lutando para sobreviver. Por isso, temos motivos suficientes para perder o sono.
Porém, o medo não é totalmente negativo. Ele impede que mergulhemos num incêndio ou que saltemos de um precipício. Controla nossas reações de encarar algo ou fugir de algo. Em momentos de crise, o medo nos mantém alerta e aciona nossos reflexos que preservam nossa vida, conforme
destacou Ruben Castaneda, articulista do U.S. News and World Report, numa matéria de outubro de 2018.
O medo tem uma relação direta também com a dor do passado. Imagine uma pessoa que nunca sentiu dor. Por isso, aqueles que sofrem de insensibilidade congênita à dor, ou analgesia congênita, têm uma doença rara que os expõe a maiores riscos, pois não conseguem perceber os primeiros sinais de uma enfermidade ou lesão. Essas pessoas têm uma relação diferente com o medo.
Satanás, o arqui-inimigo de tudo o que é bom e que produz esperança, usa o medo para desanimar os seguidores de Jesus. Ele sussurra ao ouvido: “Você não pode”, “Deus não quer”, “é tarde demais” e outras falsidades, gerando
receio e pavor.
JESUS DIANTE DA MORTE
Mark Twain, autor norte-americano do século 19, escreveu em “Pudd’nhead Wilson”, na The Century Magazine 47, de 1894: “Coragem é resistência ao medo, domínio do medo, não ausência de medo.” A vida de Jesus não foi caracterizada pela ausência de medo. Começando pelas circunstâncias do Seu nascimento e infância, havia muitas boas razões para Ele temer.
No entanto, o medo não determinou Suas decisões nem moldou Suas escolhas. Seus contemporâneos devem ter considerado Jesus como “destemido” ou tolo. Ele tocou leprosos (Mt 8:3). Ele não estava preocupado pensando onde iria dormir nem o que comeria (v. 20). Jesus não Se importava com a contaminação cerimonial pelo fato de não seguir as tradições rabínicas (Mc 7:5-13). Ele não tinha medo da oposição nem de
ser rejeitado, mas era isso o que Ele enfrentava todos os dias quando Se envolvia com a liderança religiosa judaica (Jo 5:16-18; 7:1; 8:37-41).
Nesse sentido, Mateus 26:36-46 descreve um evento importante. Exausto, depois de um dia intenso de atividades e na expectativa dos momentos finais de Seu ministério, Jesus pediu que Pedro, Tiago e João O acompanhassem enquanto Ele agonizava em oração.
Mateus relatou que o sofrimento de Jesus era muito grande (v. 37) e que o Mestre falou abertamente de Sua vulnerabilidade com Seus três discípulos mais próximos. “A Minha alma está profundamente triste até a morte; fiquem aqui e vigiem comigo” (v. 38). Será que Pedro, Tiago e João olharam espantados para Ele? Estariam eles diante daquele mesmo Homem que tinha acalmado uma tempestade no mar, alimentado milhares de pessoas, ressuscitado mortos?
Aquela era a batalha para a qual Jesus tinha Se preparado durante toda a Sua vida na Terra. “Meu Pai, se é possível, que passe de Mim este cálice! Contudo, não seja como Eu quero, e sim como Tu queres” (v. 39). A rendição total da nossa vontade é a oferta mais valiosa, difícil e antinatural
que podemos fazer.
Não sabemos por quanto tempo Jesus orou. O que a Bíblia registra é que, quando Ele voltou para junto dos Seus discípulos, encontrou-os dormindo. Comentando esse trecho dos evangelhos, Ellen White escreveu que os discípulos quase não O reconheceram, pois a angústia O havia desfigurado. Ela acrescenta que Aquele que havia até pouco tempo antes Se mostrado forte como o cedro balançava então como uma cana açoitada pela tempestade (O Desejado de Todas as Nações, p. 689).
Jesus repetiu por três vezes a mesma oração. Haveria outra forma de salvar este planeta em rebelião que não envolvesse a separação do Pai? “A humanidade do Filho de Deus tremia naquela probante hora”, escreveu Ellen White. “Não orava pelos discípulos, para que a fé deles não desfalecesse, mas por Sua própria alma assediada de tentação e angústia.
O tremendo momento havia chegado: aquele momento que decidiria o destino do mundo.
Na balança oscilava o destino da humanidade” (O Desejado de Todas as Nações, p. 690).
Jesus estava com medo da separação do Pai, pois o pecado nos separa de Deus. Dependurado na cruz Ele gritou: “Eli, Eli, lemá sabactani? – Isso quer dizer: ‘Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?’” (Mt 27:46).
Onde estava Deus quando Jesus agonizava sob o peso do pecado de todo o mundo? “Naquela densa treva ocultava-se a presença de Deus.
[…] Deus e Seus santos anjos estavam ao pé da cruz. O Pai estava com o Filho. Sua presença, no entanto, não foi revelada” (O Desejado de
Todas as Nações, p. 753 e 754).
SUPERANDO O MEDO
Compare nossos medos com o único medo sentido por Jesus. Quando nos preocupamos com a vida, saúde e nossos relacionamentos,
esquecemos que Aquele que venceu todo o medo e carregou nossos pecados é mais do que capaz de nos dar o que realmente precisamos. O único medo contra o qual vemos Jesus lutando na cruz é a separação de Deus. Por
isso, quando a Bíblia apela recorrentemente para que os seres humanos temam a Deus, não seria esse um lembrete vital? Quando “tememos” a Deus, reconhecemos nossa dependência da graça do Salvador e que a segurança só pode ser encontrada Nele.
A seguir, sugiro, brevemente, três passos para a superação de nossos medos:
- Reconheça seus temores. Alguns dos nossos receios são reais, enquanto outros talvez
sejam imaginários. Porém, todos eles nos afetam. O fato de Jesus ter orado no Getsêmani e gritado na cruz “Eli, Eli, lemá sabactani?”, me
motiva a falar dos meus medos para Deus e às pessoas nas quais confio. É importante entender que sentir medo não é sinal de fraqueza
nem de falta de fé. - Peça ajuda. Se for necessário buscar apoio, admitir a própria incapacidade de enfrentar a fonte do seu medo, será uma atitude de coragem. Nelson Mandela, primeiro presidente da África do Sul pós-apartheid, escreveu a seguinte frase em sua autobiografia: “Aprendi
que a coragem não é a ausência do medo, mas sim o triunfo sobre ele. O corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que vence esse medo” (Long Walk to Freedom [Abacus, 2013]).
A questão é: vencer o medo não acontece facilmente. Primeiro o reconhecemos, para depois corrermos para os ternos braços do Pai. Ele é nossa luz e salvação (Sl 27:1), nosso refúgio e fortaleza na adversidade (Sl 46:1 e 2). Por isso, creia que a presença de Deus ao nosso lado muda tudo.
3. Dependemos uns dos outros. A pandemia tem nos lembrado
de como precisamos das pessoas que estão ao nosso redor. Do toque, do abraço, do incentivo e, às vezes, da crítica também.
Experimentar o senso de comunidade é sentir que não estamos sozinhos com nossos medos. Vale lembrar que outros já passaram por onde estamos passando. O povo de Deus é uma comunidade de vencedores.
DE MÃOS DADAS
Suicide Gorge é uma trilha singular para caminhadas de aventura nas belas montanhas Boland, a uma hora da Cidade do Cabo, na África do Sul. A caminhada de 17 quilômetros costuma levar um dia inteiro. É uma trilha cheia de adrenalina ao ar livre, com saltos do alto para piscinas escuras de água gelada. Depois de o excursionista ter entrado na garganta, não há como voltar. As paredes do desfiladeiro são íngremes e não podem ser escaladas sem equipamento de alpinismo. Só é possível andar para a frente.
Morei por seis anos em Somerset West, a cerca de uma hora de carro dessa trilha. Durante esse tempo, fiz esse caminho com amigos por pelo menos três vezes, pois ninguém se atreve a passar ali sozinho. Lembro-me de um momento inesquecível. Meus amigos e eu tínhamos saído cedo e havíamos caminhado e saltado por várias horas. Estávamos então no ponto mais alto da trilha para um salto. Ali não havia alternativa: era preciso se lançar 12 metros abaixo.
Eu tinha saltado primeiro e estava esperando na água o restante do grupo. De repente, começou uma movimentação lá em cima e, para minha surpresa, vi Jëan, meu cunhado, com outro grupo da nossa escola de ensino médio que havia planejado também fazer a trilha naquele domingo.
Todos os meus amigos, menos um, já tinham saltado. Os olhos dele estavam arregalados, mostrando seu estado de pânico. Ele simplesmente não conseguia saltar. Todos estavam esperando na água para continuar a caminhada, mas Jëan e meu amigo simplesmente não saltavam. Tentamos de tudo.
Incentivamos, gritamos, aplaudimos. Nada funcionou. Meu cunhado continuava falando com meu amigo. Até que houve uma movimentação, um grito e dois corpos caindo de mãos dadas na piscina natural. Meu cunhado havia percebido que nenhum argumento funcionaria, a não ser pegar aquele amigo pela mão e pular com ele.
Quando o medo entorpece nossa mente, precisamos de alguém que salte conosco e nos ajude a vencer nossos fantasmas. Jesus, Aquele que venceu o medo agarrando-Se ao Pai,
está pronto a tomar nossa mão e saltar conosco. Diante do diagnóstico médico mais devastador, da situação financeira mais sombria e da crise relacional mais profunda, Ele está pronto para Se unir a nós e também nos tornar vencedores, pois “no amor não há medo” (1Jo 4:18). ]
GERALD A. KLINGBEIL é editor associado da revista Adventist World
O MERGULHO DO CISNE
BILL KNOTT
No alto de uma colina, onde o vento uiva como um lamento, havia um velho celeiro. Durante a maior parte do ano, ele protegia o gado da neve, armazenava grãos e ração e guardava as ferramentas básicas para o trabalho pesado de uma fazenda.
Porém, durante as maravilhosas primeiras semanas do verão, em julho, o velho celeiro passava a ser um lugar de alegria sem igual para
meus irmãos e para mim. Depois de meu pai vasculhar cuidadosamente o monte de feno seco e certificar-se de que não havia ali nada perigoso,
subíamos uma escada frágil até a viga mais alta do barracão, olhávamos para baixo e saltávamos para a mais suave das aterrissagens.
Pelo menos era assim para meus irmãos. Eles eram meninos ágeis e com boa coordenação motora. Lá do alto, eles faziam seu “mergulho
do cisne” parecer uma obra de arte. Ansioso para não ficar para trás, saltei dali como eu os havia visto fazer.
Bum! Devido a um giro desajeitado na descida, meus joelhos bateram na minha mandíbula. Sentei-me no feno cheiroso, esfregando meu queixo
e enxugando lágrimas de dor e de orgulho ferido.
Esse final doloroso se repetiu todas as vezes em que saltei, independentemente da forma como ajustava meu corpo, calculava minha inclinação ou estendia meus braços. O roteiro sempre terminava do mesmo jeito: frustração, lágrimas e mais desconfiança de que meu salto pudesse dar certo na oportunidade seguinte.
Aterrissagens duras e dor recorrente são o que nós, seres humanos, tememos profundamente.
Como indivíduos e grupos, vacilamos diante do que temos certeza de que resultará em fracasso inevitável. O medo de parecer fraco ou desajeitado acompanha nossas feridas e fala com rouquidão aos nossos ouvidos: “Não se arrisque.
Contente-se com sonhos menores.”
Contudo, para cada coração apaixonado por Deus, vem um sussurro: “Tente novamente! Suba outra vez! Aqueles que finalmente voam já caíram
muitas vezes.” Indivíduos, grupos de oração, congregações inteiras e ministérios evangelísticos, de fato, todos nós que formamos um movimento global no tempo do fim, devemos ouvir o incentivo celestial que nos ajuda a enfrentar nossos medos e a invocar o sucesso que só o Céu pode garantir.
Por fim, a igreja à qual quero pertencer é destemida. ]
BILL KNOTT, doutor em História, é pastor e editor da revista Adventist World