Dia 6 | Quinta-feira – VIRE A PÁGINA
Ontem vimos uma parte da história de Helena que nos entristeceu. Ao ser
convidada para conhecer como Deus havia mudado a trajetória de Pedro, ela
recusou dizendo que não queria saber, pois o Senhor não havia impedido
a tragédia em seu relacionamento. Esse pensamento de Helena passa pela
mente de muitas pessoas. Já vimos esta semana o porquê do sofrimento humano, mas esse entendimento pode ser impedido quando não conseguimos trabalhar o perdão. Nossa vida só muda quando o perdão existe, ainda que alguém nos tenha feito mal.
Mas aí vem a pergunta: Por que perdoar se somos a vítima? Por que é tão
difícil perdoar? Afinal, o que significa perdoar?
I. O caso de Davi e Bate-Seba
Davi, o rei que foi muito amado por Deus, era alguém com muitos valores. Era
humilde, corajoso, tinha fé, respeitava as pessoas, incluindo seus adversários.
Era trabalhador, forte guerreiro, amava muito a Deus e Lhe obedecia.
Uma das virtudes de Davi era o perdão. Ele perdoava seus irmãos, que às
vezes o rejeitavam. Perdoou o rei Saul, que o perseguia constantemente e
até tentava lhe tirar a vida. Perdoou outras pessoas que se colocaram como
traidoras, incluindo um de seus filhos, Absalão. Mas houve um momento em
sua vida em que ele vacilou muito, necessitando ser perdoado.
Era primavera, época em que não havia mais chuvas. A colheita tinha terminado, e era o tempo de os soldados irem para as batalhas. Davi ficou em
seu palácio. Ele andava meio inquieto e insatisfeito. Um daqueles dias, ao
passear pelo terraço de seu castelo, percebeu uma mulher tomando banho
no jardim em uma casa murada, abaixo dele. Ela não percebeu que estava
sendo observada. Davi não deixou para trás o que viu, mas foi em busca de
informações a respeito daquela mulher. Era Bate-Seba, a esposa de Urias, um
de seus fiéis soldados. Como rei, ele tinha poderes e os usou indevidamente,
desrespeitando a Deus e Suas leis. Mandou que buscassem a mulher, dormiu
com ela e a engravidou. Que problemão!
Ler 2 Samuel 11: 9-15.
É difícil imaginar que alguém que era conhecido como um homem segundo
o coração de Deus pudesse ter uma atitude tão covarde e má. Mas Davi, nos
últimos tempos, não estava vivendo um relacionamento estável com Deus.
Enfim, Urias morreu traído por Davi, que se casou com Bate-Seba e assumiu a
paternidade do filho.
Deus sempre dá tempo para que nos arrependamos de verdade, confessando nossos erros. Mas Davi estava demorando. Como um rei, um líder, que
precisava guardar os direitos do povo, ele não poderia seguir como estava.
Então, Deus enviou o profeta Natã para falar com Davi, para lhe contar uma
história.
Ler 2 Samuel 12:1-7.
O segredo não era mais segredo. O erro estava revelado, e ele precisava
buscar o perdão de Deus. Mas e Bate-Seba? Como ela conviveu com Davi a
partir desse momento ao saber que ele havia deliberadamente matado seu
marido? A Bíblia não dá detalhes a respeito de Bate-Seba, mas podemos entender que ela foi vítima, e não uma sedutora, quando, na história contada
pelo profeta, Bate-Seba é como uma ovelhinha inocente.
II. O que é o perdão?
Como você reagiria se estivesse no lugar de Bate-Seba? Conseguiria perdoar
Davi? Talvez você esteja vivendo outro tipo de problema que tem roubado
a paz, a saúde e despertado em você o desejo de vingança. No entanto, já
vimos nesta semana que o caminho do ódio não resolve. Ele é cruel conosco
e com os outros. Então, qual é a alternativa? É simples, mas pode ser muito
difícil: perdoar.
Afinal, o que é o perdão? É aprovar o que foi feito? É fingir que nada aconteceu ou que nunca se magoou? É inventar desculpas para o mau comportamento? É permitir que continuem pisando em você? Não, nenhuma das respostas acima é verdadeira.
Na Bíblia, a palavra grega para perdão (aphiêmi), por exemplo, significa algo
como “jogar para longe”, “libertar-se”, “soltar”. Ou seja, é abrir o coração e
deixar ir embora o ressentimento, a mágoa, a dívida. Há uma definição bem
apropriada que diz: o perdão é um processo mental que visa a eliminação
de qualquer ressentimento, raiva, rancor ou outro sentimento negativo por
determinada pessoa ou por si próprio.
Há situações simples em que o perdão acontece quase instantaneamente,
mas tudo o que nos traz algum tipo de perda, dor física ou emocional, precisa
de um tempo para ser processado. Esse processo acontece em nossa mente
como o resultado de uma escolha consciente de libertar os outros do pecado
cometido contra nós.
III. Por que devemos perdoar?
1º Porque fomos perdoados por Deus. Davi, o mesmo que viveu o drama do
pecado, se arrependeu profundamente e alcançou o perdão de Deus. Ele
mesmo escreveu: “Tu és bondoso e perdoador, Senhor, rico em graça para
com todos os que te invocam” (Sl 86:5). Esse perdão que alcança todos nós
veio por meio da cruz. Em Ef 1:7, lemos: “Nele temos a redenção por meio de
seu sangue, o perdão dos pecados, de acordo com as riquezas da graça
de Deus”.
2º Porque Deus pede que perdoemos o outro. “Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus
os perdoou em Cristo” (Efésios 4:32). Amigo, não existe uma pessoa neste
mundo que não precise ser perdoada e que não precise perdoar. Devemos
perdoar assim como fomos perdoados. O Senhor também disse que devemos amar nossos inimigos. A melhor maneira de amá-los é perdoá-los.
3º Para que sejamos perdoados.
Em Lucas 6:37, lemos: “Não julguem e vocês
não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e
serão perdoados”. Perdoar para ser perdoado, tanto por nossos semelhantes quanto por Deus. Em outros textos, percebemos essa relação como, por exemplo, em Mateus 6:14, 15: “Pois, se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também perdoará vocês. Mas, se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não perdoará as ofensas de vocês”. O perdão de Deus
a nós está condicionado também à nossa disposição em perdoar os outros.
A própria oração ensinada por Jesus diz: “Perdoa nossas dívidas, assim como
nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6:12).
4º Para que tenhamos saúde física e emocional.
É importante lembrar que, além de roubar a paz, não perdoar pode causar
muitos problemas de saúde. Uma pesquisa apresentada no 40º Congresso da
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), feita entre 2016
e 2018 pela psicanalista Suzana Avezum, comprovou a relação entre a falta
de perdão e a ocorrência de enfarte agudo do miocárdio.21 Por outro lado,
os benefícios físicos são muitos. Sugiro a você fazer, nos próximos dias, uma
pesquisa em relação aos benefícios de perdoar, pois os encontrará facilmente
na internet. Afinal, são mais felizes e saudáveis aqueles que perdoam do que
aqueles que guardam ressentimento, continuam contando suas mágoas ou
que encobrem seus pecados e não pedem perdão.
Antes mesmo de qualquer pesquisa feita em tempos modernos para descobrir os efeitos do pecado, da mágoa, da culpa e da ausência de perdão, Davi
já havia escrito sobre esses efeitos em seus Salmos, como o 32 e o 51. A falta
de perdão traz infelicidade e autodestruição. Como disse William Shakespeare: “A mágoa é o veneno que se toma, pretendendo matar o outro”. Ou seja,
você pode achar que vai destruir o outro com suas atitudes de magoado, mas
quem será destruído é você mesmo.
5º Para restaurar relacionamentos e pessoas feridas.
A história de Jacó e José, que vimos nesta semana, é um exemplo do que o
perdão pode fazer para restaurar relacionamentos. Jacó foi recebido em paz
por seu irmão Esaú, e José recebeu em paz seus irmãos. Mas a maior restauração de relacionamentos é a que ocorre entre Deus e o ser humano – Jesus
ao nos perdoar e nós ao pedirmos perdão. Jesus reconciliou a humanidade
com a divindade por meio de Seu ato perdoador.
IV. O caminho para o perdão
Você pode argumentar: “Você não sabe o que passei. É impossível perdoar”.
Nancy Van Pelt, em seu livro To Have and to Hold (Ter e Segurar), compartilhou uma questão de um ouvinte e a resposta de uma conselheira que escrevia para um jornal, identificada pelo pseudônimo de Ann Landers. O ouvinte enviou para Ann Landers a seguinte mensagem:
“Prezada Ann Landers, Você deve ser feita de pedra. Você diz a todo marido, esposa, filha ou filho
injustiçado, namorado, amigo ou vizinho para ‘perdoar e esquecer’. Já lhe
ocorreu que algumas pessoas simplesmente NÃO PODEM? Elas estão profundamente feridas. Por favor, tire sua cabeça da areia, ou das nuvens, ou onde quer que esteja, e use-a para pensar. É absurdo esperar que meros mortais se comportem como santos.
Assinado: Não SANTO”
Ann Landers respondeu da seguinte forma:
“Querido Não Santo,
Para aqueles que não gostam do meu conselho de perdoar e esquecer, aqui
está uma alternativa. Não perdoe e não esqueça. Mantenha vivo cada detalhe agonizante e torturante do seu passado. Fale sobre isso. Sonhe com
isso. Chore muito e sinta pena de si mesmo. Perca peso e pareça abatido
para que seus amigos se preocupem com você. Desenvolva uma úlcera.
Viva com enxaqueca. Quebre a perna ou qualquer outra coisa para criar
dor e servir como um lembrete do que essa pessoa suja fez com você. Se
você seguir esse conselho, com certeza terminará miserável, doente, amargo
e sozinho”.
Às vezes, as pessoas têm dificuldades de perdoar por causa de sua compreensão equivocada de perdão. Se perdoarem, acreditam que o ofensor
pensará que a ofensa não foi grande coisa; que não há consequências; que é
um tipo de anistia ou abrir a porta para um tipo de amnésia.
Outras pessoas têm medo de perdoar porque imaginam que, ao fazê-lo, estariam assumindo uma culpa que não é delas. Outro fator que tem tornado
tão difícil a prática do perdão é que a pessoa ofendida sente uma grande
necessidade de justiça. Há muitos casos em que necessitamos levar a situação
a juízo, sim, mas, a paz no coração do injustiçado não acontecerá verdadeiramente pelo simples fato de o ofensor ter sido punido ou condenado. A punição do outro não muda o sentimento que se tem por ele. O sentimento que a vingança traz é ilusório. A pessoa precisa decidir perdoar o outro para
que realmente encontre libertação emocional.
Qual teria sido o caminho usado por Bate-Seba para oferecer perdão a Davi?
Afinal, seus sentimentos devem ter ficado muito confusos diante de todos os
fatos, especialmente após perder o filho desse relacionamento ainda bem
pequenino.
Há muitos que escrevem livros e apresentam vários passos para que o perdão
aconteça. Você pode buscar e ler muitos deles. Mas há alguns pontos que
precisam ficar muito claros.
1º É preciso reconhecer os sentimentos de raiva e mágoa que existem e tentar identificar exatamente o motivo pelo qual eles existem em relação a determinada pessoa.
2º É necessário entender que todos esses sentimentos, embora verdadeiros
e justificáveis, não agradam a Deus e nos fazem mal. É importante identificar
que tipos de mal-estar eles já provocaram, desde os aspectos físicos até os
emocionais e espirituais. Quando identificarmos e nos conscientizarmos do
mal que fazemos a nós mesmos, será mais fácil a decisão racional de perdoar.
Na pesquisa que a Dra. Suzana Avezum havia realizado e que descobriu a relação entre enfarte e falta de perdão, ela também detectou que, entre aqueles
que enfartaram, 31% afirmaram ter tido perda significativa da fé. Percebe? A
falta de perdão nos afasta de quem pode realmente mudar nossa realidade
e nos beneficiar com um novo capítulo onde a liberdade será algo presente.
3º Enquanto não houver decisão, não haverá construção do processo para o
perdão. É preciso decidir perdoar mesmo que isso vá contra nosso desejo e
vontade naturais.
4º Como o perdão não é algo fácil, é preciso orar sobre isso. Será necessário
contar tudo a Deus – os fatos, os sentimentos e a falta de vontade de oferecer
o perdão. É preciso entregar tudo a Ele, e isso inclui nossa vontade e a pessoa
que nos ofendeu. “Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os
que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam […]” (Mt 5:44).
5º Jamais podemos deixar de lembrar de como Deus nos perdoa completamente. Não merecíamos o perdão, mas aí está a grande necessidade de
Deus no processo, pois Ele vai, cuidadosamente, nos ensinando a perdoar
como Ele mesmo nos perdoa.
6º Mesmo que Deus nos ajude no processo, precisamos fazer nossa parte,
e ela consiste em cuidar de nossos pensamentos. Nosso sentimento está diretamente relacionado com o que pensamos. Por isso, os pensamentos que
alimentam a raiva e a mágoa necessitam ser trabalhados. Outro aspecto importante é que necessitamos ter sempre em mente que nós também não somos perfeitos, e, quando reconhecemos nossas faltas, aprendemos a aceitar
os outros e a perdoá-los. Isso não é o mesmo que negar o que o outro fez,
mas significa que não vamos permitir mais que essa pessoa e o que vivemos
defina nosso valor, nossa felicidade e crie um borrão em todas as páginas de
nossa história, pois é isso que acontecerá se não conseguirmos perdoar.
Pode levar algum tempo para que a decisão de perdoar e os sentimentos do
perdão estejam alinhados, mas devemos perseverar. O processo da
cicatrização dependerá do tamanho do ferimento, mas acontecerá se Deus estiver
nos ajudando a perdoar. O perdão é o bálsamo que permite a cicatrização.
O perdão finalmente ocorrerá quando você conseguir falar sobre o que lhe
aconteceu e sobre a pessoa sem que a mágoa e o choro venham à tona.
A verdade é que enquanto não perdoamos aqueles que nos feriram, ficamos
emocionalmente presos a eles. O perdão é o caminho para nos libertar de um
passado que pode estar impedindo um futuro promissor.
Davi foi perdoado por Deus, embora tenha carregado consequências. Quanto a Bate-Seba, concluímos que ela também perdoou Davi e viveu como perdoada. Por quê? Porque quando perdoamos, alcançamos uma graça especial que nos permite seguir e receber bênçãos que não receberíamos se vivêssemos amargurados na mágoa. O relato bíblico nos diz que Bate-Seba foi
consolada por Davi depois da morte de seu pequenino filho. Mas Bate-Seba
também foi consolada por Deus, sendo a mãe de Salomão, o sucessor no
trono de Davi e o mais sábio homem que já viveu. Além disso, Bate-Seba está
na genealogia de Jesus.
Helena tinha muita mágoa em seu coração. Ela não conseguia perdoar seus
pais, o ex-marido, ela mesma e a Deus.
Um dia, ao caminhar pelo shopping da cidade, ela encontrou uma colega
da universidade que não via havia muito tempo, Ariana. Elas nem eram tão
amigas assim, mas, por alguma razão, deram tempo para uma conversa ir além
do: “Como vai? O que você tem feito?” Como já era noitinha, as duas resolveram ir à praça de alimentação, comer alguma coisa e seguir em frente com a
conversa. Os assuntos foram diversos, e, quando Ariana soube que o marido
de Helena a havia traído e abandonado, recebeu a notícia sem nenhum espanto. Espantada ficou Helena ao ouvir o parecer de sua colega:
– Helena, você nunca deveria ter se casado com ele. Naquela época em que
você namorava, ele já traía você com outras colegas do curso.
– Mas por que ninguém nunca me falou sobre isso?
– Eu não sei. Acho que, por não sermos próximas, eu não me senti à vontade.
Desculpe-me por isso. Lamento por todo o seu sofrimento. Mas seus pais
nunca perceberam que ele não seria um bom marido?
– Bom, eles até comentaram comigo algumas coisas, dizendo que eu devia abrir os olhos, mas sabe quando você está deslumbrada com alguém e
está carente? Eu não dei atenção e fui em frente. Na verdade, confesso que
percebia algumas coisas, mas achava que depois ele mudaria. Mas não, só
piorou. Além de traída, fui agredida e perdi minhas economias.
Sinto muito, Helena. A verdade é que ele não merecia você. Você era uma
pessoa muito boa, mas fazer o quê, não é, amiga? Às vezes, a gente faz escolhas erradas e depois sofre. Infelizmente, eu também. Colhi as consequências,
mas estou erguendo a cabeça, seguindo em frente. Eu quero ser feliz.
Helena saiu dali mais pensativa do que nunca. Foi direto para a casa que compartilhava com aquela sua amiga de trabalho. Fechou a porta do quarto e ficou
pensando nas palavras de Ariana, que não saíam de sua cabeça: “Ele já traía
você com outras colegas do curso”, “Ele não merecia você”, “Você era uma
pessoa muito boa”, “Às vezes, a gente faz as escolhas erradas e depois sofre”.
Aquela foi uma noite de choro, de avaliação de si mesma. Helena reconheceu que devia desculpas a seus pais por seu comportamento de agora, mas
também de antes de seu casamento. Reconheceu que precisava aprender a
se aceitar, que tinha uma personalidade atraente, que não necessitava seguir
por um caminho tentando ser alguém que não era.
No dia seguinte, no trabalho, Pedro notou que havia algo diferente porque,
quando choramos arrependidos e confessamos nosso erro, nosso semblante
muda, ficamos mais leves. No intervalo do almoço, eles conversaram sobre o
que havia ocorrido, e ele viu que uma porta se abria para que ela pudesse
compreender o perdão e o amor de Deus.
Apelo
E você, está precisando perdoar alguém? Ou precisa que alguém perdoe
você? Não demore! Decida hoje colocar em dia sua vida, seja pedindo perdão ou perdoando.
Lembre-se: “Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos
uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos
perdoou, assim fazei vós também” (Cl 3:13).