A ordem divina “crescei e multiplicai-vos”, dada ao casal no Jardim do Éden conforme o livro de Gênesis, visava permitir que os seres humanos, assim como Deus, tivessem a oportunidade de originar seres a sua imagem e semelhança, os quais iriam perpetuar as promessas e bênçãos comunicadas inicialmente a Adão e Eva. Nesse contexto, a Bíblia enfatiza que, passar um bom legado para as gerações futuras, é algo de suma importância. Hoje sabemos que esse legado vai muito além da educação e dos bons ensinamentos que transmitimos aos nossos filhos após eles nascerem.
Para entendermos a extensão desse legado é necessário considerar que, um dia, todos nós já fomos uma única célula chamada zigoto, a qual continha genes de origem paterna e materna. Todos os 200 tipos de células do nosso corpo se originaram a partir dessa célula primordial e, portanto, possuem os mesmos genes. Dessa forma, as diferenças que observamos entre as células de diferentes partes do nosso corpo só existem devido à presença de moléculas que interagem com o DNA ativando e desativando os genes de forma distinta em cada tipo celular. As diversas interações entre essas moléculas e o DNA são denominadas “marcas epigenéticas.”
Obviamente, essas moléculas não fazem decisões conscientes, mas a concentração delas em cada uma de nossas células determina quais genes serão transcritos em RNAs e, posteriormente, traduzidos em proteínas, as quais permitem que o nosso corpo se desenvolva e funcione da forma correta. Só que, para que isso ocorra, é preciso que essas moléculas estejam na concentração correta em cada uma das nossas células e que existam enzimas para mediar a interação delas com o DNA. Algumas dessas enzimas atuam permitindo que as marcas que defi nem cada tipo celular sejam mantidas (por exemplo, DNMT1), enquanto outras (por exemplo, DNMT3a) atuam adicionando novas marcas. Essas novas marcas podem mudar o padrão epigenético das células, o que, dependendo do gene em questão, pode predispor o indivíduo a desenvolver doenças e alterações psicológicas e comportamentais.
Apesar do fato da ativação/desativação dos genes ser algo dinâmico ao longo da vida, as modificações epigenéticas, induzidas pelo meio ambiente, podem criar efeitos no esperma e no óvulo. Isso afeta não apenas o indivíduo no qual elas ocorrem, mas, também, as gerações seguintes. Esse tipo de herança é conhecido como epigenética transgeracional. Nesse contexto, algumas pesquisas, têm identificado indícios desse tipo de herança em populações humanas. Um estudo publicado em 2014 por pesquisadores ingleses, por exemplo, demonstrou que garotos que começam a fumar antes do início da puberdade (período no qual os espermatozoides começam a se desenvolver), possuem filhos com maior tendência de acumular gordura do que a média populacional.
Obviamente, por questões éticas, os estudos que avaliam esse tipo de herança em humanos se limitam a analisar dados populacionais acumulados ao longo de gerações ou situações criadas por circunstancialidades (por exemplo, fome, guerras, traumas) que podem ter um impacto nas gerações futuras. Dessa forma, para termos uma relação de causa e efeito mais clara, é necessário a realização de experimentos com modelos animais seguidos de uma extrapolação dos resultados obtidos, de forma apropriada, para o ser humano.
Nesse contexto, por exemplo, foi demonstrado que uma dieta rica em gordura de origem suína adotada por ratos machos aumenta a predisposição da prole de fêmeas desses animais de desenvolver câncer de mama. Em função da gestação, os hábitos das fêmeas possuem influência ainda maior sobre a prole. Em camundongos, por exemplo, foi observado que a alimentação das fêmeas durante a gestação pode regular a expressão do gene Agouti. Caso a fêmea não tenha uma alimentação adequada durante a gestação o gene Agouti permanece ativo gerando uma prole de camundongos grandes, amarelos e com susceptibilidade à obesidade e a diversas doenças como câncer e diabetes. Por outro lado, caso a fêmea tenha uma dieta saudável durante a gestação, diversos silenciadores epigenéticos se ligam ao redor desse gene, reprimindo a sua transcrição, o que resulta em camundongos saudáveis (esbeltos, marrons e sem predisposição para doenças)
. As condições presentes logo após o nascimento também podem ter influência sobre a ativação/ desativação dos genes e impactar de forma direta o comportamento dos filhotes. Diversas análises têm demonstrado que a interação entre a fêmea e sua prole durante as primeiras semanas após a gestação pode ter consequências a longo prazo na vida dos filhotes. Algumas dessas análises, por exemplo, demonstraram que ratinhos que sofrem abandono materno em suas primeiras semanas de vida possuem maior dificuldade de lidar com estresse e apresentam variações no seu comportamento sexual.
Comportamento sexual
Mais especificamente em relação ao comportamento sexual, estudos têm demonstrado que fêmeas expostas ao estresse associado ao álcool durante as primeiras semanas da gestação apresentam prole de machos com modificações epigenéticas relacionadas a tendências homossexuais.
Dentre outros efeitos, essas modificações levam a uma queda da neurotrofina BDNF (Brain Derived Neurotrofic Factor). Em análises realizadas por Popova e colaboradores (2011), por exemplo, foi demonstrado que fêmeas de camundongo do grupo experimental (GE), as quais foram expostas a estresse associado ao álcool durante as primeiras semanas de gestação, apresentaram uma prole de machos com incidência de comportamento homossexual aproximadamente dez vezes maior do que a verificada na prole do grupo controle (GC – fêmeas não estres- sadas e não expostas ao álcool). Considerando a relação entre as modificações epigenéticas associadas ao comportamento homossexual e baixos níveis de BDNF, Popova e colaboradores (2011)8, resolveram injetar essa neurotrofina no cérebro dos camundongos homos- sexuais, cujas mães pertenciam ao grupo experimental, e cerca de 70% deles voltaram a apresentar atração heterossexual. Considerando a natureza epigenética da predisposição homossexual desses camundongos, a administração do BDNF foi capaz de restaurar o perfil epigenético padrão relacionado à sexualidade nesses murinos.
Esses resultados exemplificam a possibilidade de se reverter padrões epigenéticos. Ou seja, apesar de serem potencialmente herdadas, as marcas epigenéticas podem ser modificadas e apagadas. Obviamente, o comportamento sexual humano é muito mais complexo e multifacetário do que o verificado em animais. No entanto, estudos como o relatado acima mostram indícios de que a atração homossexual humana pode possuir base epigenética, o que é corroborado por diversos estudos que correlacionam alterações dos níveis de BDNF com a sexualidade humana.
Inspiração divina
É interessante que Ellen White, inspirada por Deus, nos advertiu há mais de um século não apenas acerca da necessidade de haver planejamento familiar e um ambiente harmonioso no lar, como também sobre o perigo da influência dos hábitos nutridos no seio da família sobre os fi lhos, antes mesmo deles nascerem:
“As práticas contrárias à saúde, das gerações passadas, afetam as crianças e a juventude de hoje. A incapacidade mental, a fraqueza física, os descontrolados nervos e os apetites contrários à natureza são transmitidos como legado de pais aos fi lhos. E as mesmas práticas, continuadas pelos fi lhos, vão crescendo e perpetuando os maus resultados” 12.
A herança epigenética nos auxilia a compreender que as nossas escolhas não impactam apenas as nossas vidas, mas também as gerações futuras. Os maus hábitos cultivados ao longo de muitos anos estão afetando, entre outros aspectos, a sexualidade das gerações atuais, o que ameaça a estrutura e a perpetuação da família como inicialmente idealizada por Deus. A luta no campo da sexualidade é extremamente desafiadora, mas não devemos nos esquecer que não estamos sozinhos no campo de batalha. Foi Deus quem começou a boa obra em nós e é Ele que irá completá-la até o dia de Cristo Jesus (Filipenses 1:6).
Tiago Alves Jorge de Souza é bacharel em Ciências Biológicas. É mestre e doutor também em Ciências Biológicas, com ênfase em Genética, atuando nas áreas de genética molecular, bioinformática, citogenética e mutagênese.