“Disse ainda o Senhor: Certamente, vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus exatores. Conheço-lhe o sofrimento; por isso, desci a fim de livrá-lo da mão dos egípcios[…]” Êxodo 3: 7, 8
SOBRE[VIVER] Thiarlles Boeker
A pandemia da COVID-19 provocou sofrimentos que
ainda estão sendo reparados e outros que apenas a volta de Jesus ajustará. Ela também propôs novos desafios e, como acelerador de mudanças, o tempo foi curto
para adaptações. Encontrar uma nova forma de manutenção do trabalho, redobrar os cuidados com a saúde e saber viver em um mundo mais digital foram apenas
algumas das coisas exigidas de todos.
Quanto a esse último ponto — a revolução digital
— podemos dialogar sobre um contraste intrigante e
revelador que a grande quantidade de conexões pode
também esconder. É possível ter cinco mil amigos no
Facebook e ainda assim sentir-se sozinho. Podemos ter
milhares de curtidas no Instagram e não perceber que
alguém realmente se importa.
Seguindo nossa caminhada e observando a vida de
quem já fez o caminho, nos deparamos com o ponto de
partida, ou seja, o Egito. Os últimos anos lá sublinharam o quanto este mundo é desconfortável e que os
sofrimentos vividos aqui podem, sim, ser físicos ou de
escravidão emocional.
A internet potencializou o uso da máscara, e esta,
infelizmente, não é uma referência à proteção que foi
exigida durante a pandemia, e sim à “máscara social”.
Alguns sofrimentos são claros e compartilhados, outros
ficam escondidos atrás de fotos de pessoas sorridentes,
no registro de instantes específicos da vida. Talvez sua
história tenha acumulado sofrimentos que só você conhece e parece que não há alguém que se importe. Hoje é o dia para nos lembrarmos que Deus sabe, ouve e vê.
- “meu povo, que está no Egito”
Alguma vez você já esteve na condição de perdido?
Perdido em uma situação que envolva a locomoção em
uma nova região e, quem sabe, depois de andar por algum tempo procurando a nova casa de um amigo, perceba que não conhece mais o local. É comum buscarmos por referências nessas horas.
Uma pergunta comumente feita antes de serem
compartilhadas as dicas de direção é interessante: “Ok!
Pode me dizer onde você está?” É que algumas orientações só farão sentido se o perdido conseguir entender onde está, ou seja, o ponto de partida.
As palavras de Deus no texto que lemos são ao
mesmo tempo acolhedoras e reveladoras. Afetivamente, Deus diz “meu povo”. Isso demonstra a perspectiva divina em relação ao sofredor, ou seja, a perspectiva
de pertencimento. Não é sobre alguém estranho, mas
aquele que foi separado Dele (Is 59:2).
Deus também revela o ponto de partida e identifica o ambiente provocador dessa separação por nome.
O Egito moderno tem a mesma intenção separatista e, com correntes visíveis ou não, busca manter os filhos de Deus como escravos aqui.
Não seremos capazes, nós os que vivemos nesse tempo, de compreender a importância das palavras do apóstolo: “Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer
de vós um coração mau e infiel, para se apartar do
Deus vivo.” Hebreus 3:12. Sobre nós está brilhando
a luz acumulada do passado. O registro do esquecimento de Israel foi preservado para a nossa iluminação. Nesta era estendeu Deus a Sua mão a fim de
reunir para Si um povo, provindo de todas as nações,
tribos e línguas. No movimento adventista operou Ele
em favor de Sua herança, exatamente como o fizera
em relação a Israel ao tirá-lo do Egito. — Testemunhos Para a Igreja, v. 8, p. 115
Às vezes, o tempo vivido neste Egito moderno nos
convida a aceitar suas práticas como sendo algo normal, mas é imperativo lembrarmos que não somos deste mundo (Jo 17:16). Sempre devemos nos perguntar
sobre onde estamos. Essa pergunta faz eco a um questionamento antigo, feito pelo próprio Deus logo após a queda: “Onde estás?” (Gn 3:9). Reconhecer o ponto de
partida é o primeiro passo, pois, se formos indiferentes quanto à nossa real condição de perdidos, consequentemente deixaremos de sentir a necessidade de
nos encontrarmos com Jesus, que “veio buscar e salvar o perdido” (Lc 19:10).
- “ouvi o seu clamor”
Carlos era alcoólatra e, por consequência desse vício,
amargou e provocou muitos sofrimentos. Ele perdeu o
carro, a empresa e viu sua família desmoronando aos
poucos. Entretanto, por mais de 14 anos ele foi o motivo de oração de sua esposa e filhos. Hoje Carlos está na
igreja, passou pela experiência do rebatismo e serve a
Deus como um dedicado membro, sempre ministrando
estudos bíblicos. O lar foi restaurado e, juntamente com
sua esposa, ele costuma visitar comunidades da região
para compartilhar a Palavra de Deus. Agora vamos pensar um pouco mais: Deus demorou mais de 14 anos para ouvir o clamor dessa família?
Dentro dessa perspectiva, também poderíamos perguntar se Deus demorou mais de 400 anos para ouvir o clamor do povo. A resposta para ambas as situações é não.
Mesmo que a culpa seja nossa, não há indiferença
da parte de Deus com nossa situação. Os sofrimentos
confirmam as rotas equivocadas que traçamos, com
ou sem a ajuda de terceiros. As decisões que tomamos
facilmente podem nos ferir e continuar ferindo os que
amamos, mas Deus não está ausente durante esse tempo. Ele continua protegendo os vulneráveis e convidando os homens a despertarem para sua condição. Então
não pare de clamar!
O Senhor não é indiferente a Seu povo e punirá e reprovará todo aquele que o oprima. Ele ouve cada gemido; ouve toda oração; observa os movimentos de
todos; aprova ou condena toda ação. O Senhor do
Céu é apresentado erguendo os caídos. Ele é o Amigo
de todos que O amam e temem, e punirá todos quantos ousarem desviá-los dos caminhos seguros, colocando-os em situações de angústia ao se esforçarem
conscientemente por guardar o caminho do Senhor e
alcançar as habitações dos justos. — Olhando Para
o Alto, p. 406, 16 de dezembro.
Não existe uma lágrima derramada sem que Deus
sinta o gosto salgado em Sua boca. Vamos pensar nessa
frase tentando imaginar esta cena, porque isso é bastante profundo.
Talvez o momento mais complexo não tenha passado e algum sofrimento ainda persista ao seu redor.
Continue orando (1Ts 5:17), pois as respostas de Deus
também contemplam forças na tribulação (2Co 1:4). Os
ouvidos de Deus estão inclinados a você neste exato
momento. Então, ore e entregue agora mesmo seu clamor nas mãos do Senhor.
- “Conheço o sofrimento. Por isso desci”
O fotojornalista Kevin Carter tornou-se mundialmente conhecido pela fotografia de um menino e um abutre. Ele capturou a imagem que expôs a clara e triste
condição de miséria e fome vivida no Sudão em 1993.
No ano seguinte, Kevin ganhou o prêmio Pulitzer de Fotografia Especial. Porém, a proeza lhe rendeu, além da fama, duras críticas que não nos cabe aqui validar ou
repudiar. Entretanto, essa história nos convida a refletir.
Sem medir as intenções, vamos pensar no quanto
conhecemos mais do que esse fotógrafo sobre o sofrimento de alguém. Será que já saímos do conforto de nossas casas, nos afastando da zona de segurança,
para ajudar outras pessoas?
Quando Deus diz que conhece nosso sofrimento, isso
não está indicando uma ideia fria e distante, como se Ele
fosse apenas um espectador das mazelas humanas. Estamos falando de um Deus que se levanta do trono de raça e vai em direção ao aflito. Por ocasião da opressão
e gemidos dos necessitados, afirma o Senhor: “eu me
levantarei agora…; e porei a salvo a quem por isso suspira” (Sl 12:5). A oração de Davi não apenas reflete uma imagem comum em dias difíceis, mas também revela um
Deus que atende aos corações ofegantes.
Moisés foi um tipo de Cristo. Ele próprio declarou a
Israel: “O Senhor teu Deus te despertará um Profeta
do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a Ele ouvireis”. Deuteronômio 18:15. Deus achou conveniente disciplinar a Moisés na escola da aflição e pobreza,
antes de poder preparar-se para guiar as hostes de
Israel para a Canaã terrestre. O Israel de Deus, jornadeando para a Canaã celestial, tem um Capitão que não necessitou de ensino humano para O preparar
para a Sua missão de divino Chefe; contudo Ele foi
aperfeiçoado pelos sofrimentos; e, “naquilo que Ele
mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos
que são tentados”. Hebreus 2:18. Nosso Redentor
não manifestou nenhuma fraqueza ou imperfeição
humana; contudo morreu para obter-nos entrada na
Terra Prometida. — Patriarcas e Profetas, p. 350
A escolha por Moisés foi intencional. Ele não era a
imagem perfeita de Cristo, mas, como sombra, revela
que o Libertador não é distante ou alheio às nossas necessidades. Deus chamou alguém que era conhecido e sensível às aflições do povo, que podia seguramente dizer: “Eu conheço o seu sofrimento”. Jesus Cristo é nosso
Libertador e hoje Se põe diante dos Seus como alguém
extremamente próximo, de fato ‘Deus conosco’ (Mt 1:23 / Is 7:14). O conforto e a segurança celestiais seguramente não foram barreiras para impedir o Salvador de
descer e, através de Sua morte na cruz, oferecer a libertação (Is 53:4-7).
Onde você está? Lembre-se que Deus sabe, ouve e vê.
Seu paradeiro não é desconhecido dos olhos eternos,
porque Ele entende exatamente onde você se encontra
e o que mais precisa. Não existem circunstâncias aflitivas,
mesmo aquelas guardadas dentro do coração, que não possam
ser alcançadas pela resposta do Senhor.
Ele tem acompanhado nosso sofrimento e dor,
e Se interessa em mudar esse quadro. Jesus Cristo, o Libertador, está diante de nós.
Ele conhece bem (Sl 139:1)
as necessidades de cada ser humano, inclusive a maior
delas, ou seja, a da quebra das correntes do pecado.
Hoje é o dia de nossa libertação. Então, se ouvirem a
“sua voz, não endureçam o coração” (Hb 3:15). A Canaã
celestial espera por mim e por você!