ESPECIALISTA REFLETE SOBRE
OS ABUSOS PSICOLÓGICOS MAIS
RECORRENTES NA INTERNET
E PROPÕE A OBSERVAÇÃO, O
DIÁLOGO E A EDUCAÇÃO COMO
CAMINHO PREVENTIVO
É impossível falar sobre violência
psicológica sem considerar o espaço
on-line que frequentamos na atualidade.
Diariamente assistimos a diferentes
casos de assédio e abusos praticados no
espaço virtual. E quando se trata de violência
na internet, a América Latina é a região
do planeta que, infelizmente, apresenta as
estatísticas mais preocupantes. De acordo
com uma pesquisa do Instituto Ipsos
divulgada em 2018, 76% dos casos relatados
no território ocorreram no contexto das
mídias sociais, o maior índice do mundo.
A falta de educação para a mídia
e a insuficiência de regulamentações e
fiscalizações para a internet fazem com
que o problema se alastre nas redes. Com
uma longa experiência em educação
e comunicação, Mariana Mandelli é
jornalista, mestre em Antropologia Social
pela Universidade de São Paulo (USP) e
coordenadora de comunicação do Instituto
Palavra Aberta, organização sem fins
lucrativos que atua na promoção da educação
midiática. Nesta entrevista, ela fala sobre
violências recorrentemente praticadas no
espaço on-line e aponta possíveis caminhos
para a prevenção e o combate desse problema.
Quais são as mais frequentes violências
sofridas e praticadas na internet?
Assim como ocorre no mundo off-line,
observamos vários tipos de golpes, crimes e infrações. O ponto é que isso tem
um alcance muito maior nas mídias sociais
e demais plataformas digitais de interação.
Pelo fato de a interação não estar acontecendo
presencialmente, quem está do outro lado
da tela pode fingir, disfarçar, emular, criar
e editar diversas situações para enganar
a vítima. Contra as mulheres, é comum a
prática do stalking, que é a perseguição e,
no caso das crianças, o cyberbullying e os
desafios virtuais, como o “homem pateta”,
“baleia azul” e “boneca momo”. Já os idosos
que ainda precisam desenvolver habilidades
digitais e midiáticas para lidar com as novas
tecnologias são mais suscetíveis aos golpes
envolvendo dinheiro. Apesar de alguns grupos
serem mais vulneráveis do que outros, todos
estamos sujeitos a isso, pois os crimes virtuais
estão cada vez mais sofisticados.
As mídias sociais potencializam os abusos
psicológicos?
Com certeza! Mas precisamos entender que
a plataforma não é exatamente a culpada,
são as pessoas que a utilizam que estão
postando conteúdo indevido ou abusando
psicologicamente das outras. Por outro
lado, há responsabilidade também dos que
gerenciam as plataformas, porque o modo pelo
qual elas foram concebidas e como funcionam
dá potência para tudo isso. É por esse motivo
que, quando alguém faz uma postagem racista
ou mesmo divulga uma desinformação, o
ideal é que você denuncie esse conteúdo em
vez de compartilhá-lo e pedir que outros o
denunciem. Isso porque toda vez que você
compartilha algo, esse conteúdo ganha uma
escala que não tem como medir.
Como mudar esse cenário?
É necessário responsabilizar cada ator
envolvido nessa conjuntura, segundo os pesos
que lhe cabem. É claro que as plataformas
deveriam retirar mais rapidamente os conteúdos
que estão ali violentando psicologicamente os
cidadãos e cidadãs. Mas nem sempre isso é
possível. O problema é a demora. Por mais que
Foto: © Yanlev / Adobe Stok
as plataformas afirmem que trabalham para
agir rapidamente, que existam políticas públicas
e campanhas educativas em relação ao tema, e
que o Ministério Público seja acionado, ainda
é pouco, porque os processos são demorados
e leva tempo para que as pessoas sejam
responsabilizadas. Por isso, acredito que seja
preciso haver mais consciência da nossa parte
sobre o poder de nossa microinfluência.
É possível construir relações saudáveis na web
se compartilharmos conteúdos mais positivos
e não cairmos na ilusão de que existe uma
dicotomia entre vida on-line e off-line.
Isso nos faz repensar a ideia de que somente
os famosos na internet exercem influência
digital?
Sim. É óbvio que, se a pessoa tem 2 milhões de
seguidores nas mídias sociais, o alcance de suas
publicações e a responsabilidade dela é muito
maior. Porém, se eu, com meus 200 seguidores,
grupo formado apenas por familiares e colegas
de trabalho, reposto mentiras, conteúdo racista
ou discriminatório contra minorias, estou
“microinfluenciando” minha rede.
Muitos acreditam que a internet seja
um ambiente de tal maneira danoso e
potencialmente violento que o melhor a fazer é
sair dela e incentivar crianças e adolescentes a
fazer o mesmo. Qual é sua visão sobre isso?
Proibir não adianta. Se você proibir dentro
de casa, a escola precisa se conectar por
causa da pandemia. Como educadores,
pesquisadores, jornalistas e pais, não podemos
simplesmente “torcer o nariz” para o TikTok
ou o Instagram. Isso faz parte da atual cultura
juvenil. E existe uma cultura digital muito
rica. Costumamos olhar só para a parte ruim,
mas existem muitos espaços positivos de
compartilhamento de ideias, de conhecimento
sendo discutidos e divulgados. É impossível
tirarmos os jovens da internet. Por isso, temos
uma frase no Palavra Aberta que responde
bem essa questão: “Não adianta proibir, o
que funciona é educar.” A educação para a
cidadania neste mundo conectado precisa
estar na escola e nas famílias.
PARA PENSAR
A violência contra a mulher não nasce de
uma hora para outra. Ela se consolida numa
sociedade desigual, na perspectiva de
gênero. Uma sociedade que aceita a inferioridade da
mulher acha natural que a mulher seja vítima da
violência. E a violência também não nasce com o
feminicídio. Nenhum homem simplesmente acorda e
decide matar a mulher no fim do dia. A violência
é insidiosa, ela se apresenta de forma invisível num
primeiro momento, seja por meio de agressão verbal,
desqualificação ou reduzindo a autoestima da mulher,
de forma que ela não consiga reagir a nenhum
tipo de violência.”
Andréa Pachá, juíza e escritora, ao comentar a
importância dos 15 anos da Lei Maria da Penha
(11.340/2006), mas ressaltando que uma legislação não
resolve tudo quando um tipo de violência está enraizado
numa sociedade. Em agosto de 2021 no canal da Casa do
Saber no YouTube (link.cpb.com.br/02162d).
É muito saudável levar o tema das mídias
sociais para a mesa de jantar e a sala de aula,
pois sabemos que as crianças estarão lá, com
ou sem permissão. […] Por isso, mais produtivo do que
você dizer “não veja isso” ou “isso é uma porcaria” é
perguntar “o que o atrai nisso?”, “o que essa pessoa
fala?” e “o que isso tem que ver ou não com você?”
Portanto, é necessário incluir, trazer para a discussão,
dar as informações corretas e orientar. Apresente
também conteúdos que você ache construtivos,
importantes e interessantes. Essa é a melhor maneira de
educar para as redes.”
Januária Cristina Alves é jornalista, mestre em Comunicação
Social, educomunicadora e autora de mais de 60 livros
infantojuvenis. Foi vencedora do prêmio Jabuti de
Literatura Brasileira por duas vezes e também do prêmio
Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Ela mantém o site
entrepalavras.com.br e escreveu, com o projeto Redes
Cordiais, um guia para criadores de conteúdo digital
(link.cpb.com.br/0e45bc)