Dia 7
PRIMEIRO DEUS: RUMO AO LAR
Texto bíblico:
“Então Jesus lhe ordenou: Vá embora, Satanás, porque está escrito:
‘Adore o Senhor, seu Deus, e preste culto somente a ele'” (Mt 4:10).
É necessário reconhecer que o tempo é um luxo para uma pessoa ocupada. Há pessoas que dormem pouco e trabalham mais do que o permitido pelas leis civis. No entanto, esse problema parece afetar não apenas aqueles com uma vida agitada, mas também a população
em geral. A grande reclamação das pessoas hoje é que elas não têm tempo suficiente para fazer o que gostam. Isso significa não poder desfrutar com a família ou fazer alguma atividade que lhes permita
descansar das tarefas que costumam realizar.
O cristão não está livre dessa ameaça. Seja você uma dona de casa,
um trabalhador da construção civil ou um estudante universitário,
todos nós estamos sofrendo do mesmo problema: não temos tempo.
É possível que a maior tentação que os cristãos enfrentam seja priorizar tarefas e deixar de lado a leitura e o estudo da Bíblia. É possível inclusive que, como crentes comprometidos, estejamos tão atarefados com os trabalhos da igreja que, ironicamente, não tenhamos tempo para conversar e escutar a voz de Deus. Hoje vamos explorar a importância do estudo da Bíblia, estudando como Jesus venceu a
tentação citando as Escrituras. Faremos isso principalmente seguindo o relato registrado por Mateus (Mt 4:1-11).
NEM SÓ DE PÃO VIVERÁ O HOMEM (Mt 4:1-4)
Depois de ter sido batizado por João no Jordão (Mt 3:13-17), “Jesus
foi levado pelo Espírito ao deserto” (Mt 4:1). A presença do Espírito
no ministério de Jesus começou de maneira plena por ocasião de Seu
batismo, descendo uma pomba sobre Ele (Mt 3:16). Essa plenitude é
intencionalmente enfatizada por Lucas, que afirma que “Jesus, cheio
do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto” (Lc 4:1). A propósito, é por meio do Espírito que Jesus expulsa os demônios (Mt 12:28), e, como Marcos aponta expressamente, o
Espírito “o impeliu para o deserto” (Mc 1:12).
O que foi dito acima não implica que, antes de ser batizado por
João, Jesus agia de maneira independente e não era guiado pelo Espírito. Vale lembrar que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo (Mt 1:18, 20; Lc 1:35), e que, segundo Lucas, Jesus crescia em sabedoria
e estatura, e desfrutava do favor e da aceitação de Deus desde a infância (Lc 2:52). A graça ou o favor divino, presente na vida de Jesus desde sempre, expressa claramente a dependência incessante entre
Ele e o Espírito Santo.
Existe um detalhe interessante no relato e que é necessário destacar. Jesus não é levado ou impelido ao deserto por uma força impessoal. Mateus descreve o Espírito Santo como uma pessoa, que é
capaz de engravidar uma mulher (Mt 1:18, 20), descer do céu sobre
Jesus (Mt 3:16), falar no lugar de outros (Mt 10:20) e ser blasfemado
(Mt 12:31-32). Isso é certamente significativo para nós, pois nos convida a reconhecer quão essenciais são a presença e a orientação da pessoa do Espírito na vida do crente.
Mateus nos informa que Jesus é levado ao deserto para ser tentado
pelo diabo. No contexto bíblico, o termo “tentar” pode ser traduzido
como “provar”. Dependendo do contexto, o termo “provar” poderia
ser entendido de uma maneira negativa ou positiva. Enquanto Deus
provou Abraão, ordenando-o a sacrificar seu filho Isaque (Gn 22:1-2),
o diabo tenta os membros da igreja ao cair em apostasia (1Ts 3:5). No
primeiro exemplo, a petição tinha a intenção de provar, preparar e
desenvolver o caráter (ver Jo 6:6). No entanto, no segundo, o objetivo
é evidentemente destrutivo (1Co 7:5).
Em vista do exposto, o Espírito não levou Jesus ao deserto para
destruí-Lo. Para Mateus, nem Deus nem o Espírito são os agentes da
tentação. Como afirma Tiago, Deus não tenta ninguém a fazer o mal
(Tg 1:13-14). Em outras palavras, Jesus foi ao deserto para Se preparar para a missão encomendada por Deus, e o diabo encontrou ali o momento propício para realizar suas ciladas. O diabo tentou destruir Jesus pela primeira vez, sem sucesso, quando Ele ainda era um
bebê (Mt 2:13-23). Nessa cena, Satanás procura fazer o mesmo, embora agora a estratégia que ele usa tenha o objetivo de fazer com que Jesus fracasse na realização do sacrifício messiânico que veio fazer.
Depois de jejuar durante quarenta dias e quarenta noites, Jesus sentiu fome (Mt 4:2). Nesse instante, o diabo, referido por Mateus como o tentador, se aproximou de Jesus, marcando seu primeiro encontro.
É importante destacar que o inimigo atacou Jesus no momento de
maior debilidade. A necessidade imediata de Jesus tinha a ver com
o alimento, e a estratégia satânica procurava encontrar uma brecha
mínima para entrar na mente de Jesus. O diabo emprega uma tática
parecida ao nos atacar, e é importante levar isso em consideração,
em particular quando nos encontramos vulneráveis.
“Se você é o Filho de Deus”, disse o tentador, “mande que estas
pedras se transformem em pães” (Mt 4:3). Em grego, a configuração
gramatical da frase “se você é” não necessariamente tem uma conotação de dúvida, como se o diabo estivesse dizendo que não cria e, por isso, pedia um sinal. Uma possível tradução seria: “Considerando que é Filho de Deus, você tem o poder para fazer um milagre e saciar sua fome”. Dessa maneira, a declaração do diabo tem o objetivo de que Jesus realize um milagre para benefício próprio, afastando-Se
assim da vontade do Pai.
A resposta de Jesus exclui discutir diretamente com o diabo. Jesus
não entrou em um debate filosófico ou teológico com o inimigo. Por
outro lado, Jesus citou as Escrituras. O fundamento, e o propulsor da
argumentação de Jesus se basearam em uma passagem do livro de
Deuteronômio (Dt 8:3). Esse versículo é parte de um discurso maior,
no qual Moisés recorda a Israel que Deus cuidou deles e os guiou por
um período de quarenta anos (Dt 8:2-10). Deus permitiu que eles passassem fome e depois os alimentou com maná, ensinando-lhes assim que o ser humano não viverá só de pão, “mas de toda a palavra que
sai da boca de Deus” (Dt 8:3; Mt 4:4).
Em termos históricos, Israel falhou, pois murmurou contra Moisés
e Arão, ansiando pelo tempo em que se sentava junto às panelas de
carne e comia pão à vontade (Êx 16:2-3). Dessa forma, embora tenha
sido tentado nos mesmos termos que Israel, Jesus venceu a tentação,
citando a Palavra de Deus. Uma atitude semelhante deve fazer parte
de nossa rotina diária.
NÃO TENTARÁS AO SENHOR TEU DEUS (Mt 4:5-7)
A segunda tentação tem um foco similar ao anterior. O diabo leva
Jesus a Jerusalém e o põe sobre a parte mais alta do templo (Mt 4:5).
A ação do inimigo, que fala (Mt 4:3, 6, 9) e tem a habilidade de transportar Jesus para outro lugar (Mt 4:5, 8), nos fala de um personagem,
e não de uma força. Atualmente, existem pessoas que se referem ao
diabo como se fosse uma entidade mitológica, que representa o que
há de pior no ser humano. No entanto, a cena que estamos estudando nos diz outra coisa. O diabo, também conhecido como Satanás, é descrito por Mateus como uma entidade angelical que promove o
mal (Mt 13:39), age como tentador (Mt 16:23) e está destinado a ser
destruído (Mt 25:41).
“Se você é Filho de Deus”, disse Satanás a Jesus, “jogue-se daqui,
porque está escrito: ‘Aos seus anjos ele dará ordens a seu respeito. E
eles o sustentarão nas suas mãos, para que você não tropece em alguma pedra’” (Mt 4:6). Notando que Jesus havia citado a Escritura, e Ele havia vencido, o diabo muda de tática e faz uso de alguns versos
do Salmo 91 para tentá-Lo (Sl 91:11,12).
No entanto, o diabo cita incorretamente o Salmo 91, omitindo seu
contexto global. Embora seja verdade que, no Salmo 91, Deus afirma
proteger Seus filhos, quando o lemos em sua totalidade, aprendemos
que Deus cuida daquele que depositou sua confiança, ou amor, Nele
(Sl 91:14-16). De forma alguma o Salmo é um convite para o crente
buscar a adversidade. E, caso Deus permita que o cristão sofra algum
tipo de infortúnio, a promessa é que Deus o socorrerá (Sl 91:1-16).
Em suma, o diabo novamente tenta Jesus a agir de forma independente, violando a vontade do Pai. O diabo não está questionando a identidade de Jesus como o Filho de Deus, mas sua tentação consiste
em incitá-Lo a usar Seu poder e autoridade, tentando assim persuadir Deus a fazer algo que Ele não deveria fazer.
Jesus responde novamente usando as Escrituras (Mt 4:7). E novamente Ele faz alusão ao livro de Deuteronômio (Dt 6:16). No versículo citado, Moisés admoesta Israel a não tentar a Deus como o povo
havia feito em Massá (Dt 6:16). Apesar das maravilhas que Deus realizou na presença dos filhos de Israel, eles questionaram se Deus estava realmente com eles, dizendo: “Está o Senhor no meio de nós
ou não?” (Êx 17:7). Para Jesus, a tentação do diabo consiste em induzi-Lo a agir de maneira egoísta, tentando obrigar Deus a Se ajustar
aos seus próprios desejos. Portanto, embora Jesus tenha sido tentado
de maneira semelhante à de Israel, Ele venceu a tentação citando as
Escrituras. Mas, ao contrário do diabo, que distorceu o significado
do Salmo 91, Jesus usa a Palavra de Deus corretamente.
O inimigo usa diferentes manobras para nos tentar, e uma dessas
táticas compreende empregar textos bíblicos que estão fora de contexto. A única maneira de detectar o erro e saber quando uma passagem está sendo mal utilizada é conhecer o conteúdo das Escrituras.
Vale a pena notar que Jesus não tinha um celular à disposição para
confirmar ou mencionar o versículo que o diabo citou, e que Ele logo
refutou. A disponibilidade das Bíblias na antiguidade, era diferente
de hoje. O desafio não se limitava apenas ao valor e ao tamanho, mas
as cópias eram feitas à mão, o que resultava em uma produção consideravelmente menor em comparação com o que aconteceu depois da invenção da imprensa.
Como consequência, a memorização das passagens e histórias da
Bíblia se transformou em uma parte essencial da vida dos crentes.
Embora essa prática tenha diminuído muito devido ao alcance da
tecnologia, os cristãos têm o privilégio de viver em uma era em que o
acesso ao texto bíblico é incomparável. Vivemos em uma era em que
os aplicativos de celular e as traduções da Bíblia são abundantes, podendo inclusive escutá-la de graça. Portanto, não há desculpas para
aqueles que levam uma vida agitada. O problema não está no acesso
que temos à Bíblia. O problema está em nós mesmos.
ADORE O SENHOR, SEU DEUS (Mt 4:8-11)
Na terceira tentação, o diabo leva Jesus a uma montanha muito
alta, de onde ele mostra o esplendor de todos os reinos do mundo
(Mt 4:8). Satanás promete a Cristo tudo o que Ele vê, mas diz que primeiro Ele deve Se ajoelhar e adorá-lo (Mt 4:9). O que o diabo promete é simples. Jesus veio resgatar o mundo e agora Ele poderia obter
isso sem ter que passar pelo sofrimento da cruz. No entanto, ao fazer
isso, Jesus estaria Se submetendo ao poder do inimigo e estaria reconhecendo que o diabo, em vez Dele, seria o senhor e mestre da Terra.
Jesus omite qualquer diálogo ou discussão doutrinária. Afinal, Jesus é o Criador do Universo e desta Terra (Jo 1:1-3, 10; Cl 1:16:17).
O diabo se tornou o príncipe deste mundo ao tomar, por meio de
engano, o domínio que Deus havia confiado a Adão e Eva (Lc 4:6).
Mas Jesus não pretende debater. Portanto, Ele recorre mais uma vez
à arma mais importante de todas: a Bíblia.
Jesus responde dizendo: “Vá embora, Satanás, porque está escrito:
‘Adore o Senhor, seu Deus, e preste culto somente a ele'” (Mt 4:10).
Jesus, novamente cita o livro de Deuteronômio, especificamente Deuteronômio 6:13. A passagem é parte de um contexto maior, no qual Moisés admoesta os ouvintes a não se esquecerem de Deus e a não
seguirem deuses pagãos (Dt 12-14). A partir dessa perspectiva, Jesus
desmascara o inimigo, revelando a autoridade falsa que ele fingiu assumir.
Jesus, finalmente, Se submeteu à vontade do Pai e derrotou o inimigo (Mt 4:11). Não nos esqueçamos de que Jesus foi tentado em tudo, como nós (Hb 4:15). É verdade que as tentações que Ele sofreu
diferem em forma e conteúdo das nossas. No entanto, o diabo, como
mencionado anteriormente, adapta estrategicamente seus ataques.
A única salvaguarda que temos é a Palavra. Podemos não ter tempo
para assistir ao nosso programa favorito, ou até mesmo dormir um
pouco menos, mas o que nunca deve faltar na vida de um cristão é
o estudo da Bíblia. Sigamos, então, o conselho de Paulo e tomemos
como arma de defesa “a espada do Espírito”, que, como ele diz corretamente, representa a palavra de Deus (Ef 6:17).
CONCLUSÃO
A falta de tempo nunca deve ser uma desculpa para não estudar
a Bíblia. Jesus utilizou as Escrituras para enfrentar o ataque do inimigo, ensinos que Ele memorizou e armazenou no coração. As artimanhas do inimigo, como vimos, não conseguiram derrotar o “está
escrito”, demostrando quão essenciais o estudo e a leitura da Palavra
de Deus devem ser em nossas vidas.
Não somos super-heróis, muito menos invencíveis. Pelo contrário,
somos pecadores e podemos ser vencidos pela tentação. Oremos a
Deus para que nunca percamos nossa conexão com o Deus eterno e
decidamos a cada dia estudar Sua Palavra, não apenas para conhecer a verdade, mas também para estar preparados para o dia em que o diabo nos tentar.